O relógio e o anjo:
O anjo aproximou-se e me disse palavras que não compreendi. Faz tempo que não compreendo as palavras. O anjo então chegou mais perto e tentou conversar com gestos. Faz tempo que não compreendo acenos. O anjo então abriu a janela e o tempo passou diante de mim, como um relógio que se quebra para sempre e leva nos seus ponteiros as coisas que passaram, como se fosse assim viver a possibilidade da vida. O anjo então abriu a porta da casa e entraram as ovelhas que passeavam no campo. O anjo então saiu e trouxe algumas flores silvestres para o vaso de porcelana da sala que não existia. E na parede um relógio batia os minutos, um atrás do outro, um atrás do outro, um atrás do outro, todos os minutos escondidos nas engrenagens delicadas de ouro. Depois o anjo partiu deixando uma carta que vou ler amanhã.
O anjo e o relógio:
Parei o relógio na esperança de parar também o tempo. Parar tudo. De repente. Tudo parado. Parei o relógio na esperança de me parar. Ponteiros agudos que cortam os pulsos. Ponteiros graves que marcam o que deixou de existir. Parei o relógio, os relógios, do pulso, das paredes, das igrejas, das ruas. Parei todos os relógios. Parar tudo. Tornar tudo invisível. A palavra, o gesto, o desespero, a linguagem, o apelo. Parar. Paralisar. Parei o relógio. Cortei o pulso para tirar o relógio. Os números do relógio. O tempo acaba. Tiro meu paletó de veludo e adormeço. Um anjo diz que estou bem.
(Alvaro Alves de Faria)
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